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Qual a diferença entre SELETIVIDADE, RECUSA e DIFICULDADE alimentar?

A primeira infância – até o sexto ano de vida – é rica em conquistas, aprendizados e também desafios na alimentação que podem perdurar para a vida inteira. Esses desafios alimentares e preocupações externas dos pais e ‘chegados’ repercutem quase sempre na relação com a criança. Os desafios vão desde flutuações do apetite, à mudanças na rotina até recusas alimentares graves.
No aleitamento materno e aleitamento por fórmula a relação mãe e mini humano se põe em prática com a conexão de amor. Essa conexão permanece na  introdução alimentar – a partir de 6 meses de vida – e inicia-se os cuidados e experiências com a alimentação, que se tornam a principal via de troca e comunicação entre crianças e seus cuidadores. Dificuldades na relação mãe e bebe  podem desenvolver sintomas ligados à esfera alimentar, como seleção, recusa e comer excessivamente.
Dois detalhes importantíssimos sobre esse assunto.  
O primeiro é que qualquer desafio que a criança apresente na alimentação não há culpabilização da mãe. A sociedade infunde que a mãe é culpada da criança não aceitar os alimentos oferecidos ao invés de acolher e entender o que realmente está acontecendo nessa relação de nutrir sua cria. A culpa não vai melhorar a relação da comida entre vocês. O segundo detalhe, é que uma não aceitação dos alimentos pela criança não começa “do nada”. O que eu quero dizer é que a cria não parou de comer de um dia para o outro sem motivo. E a maioria das vezes nós não acreditamos que o motivo pode ter sido uma experiência não satisfatória na boca ou na casa de alguém, na escola e que talvez esse motivo que podemos considerar “bobo” para nós adultos para essa criança foi o grande motivo de não aceitar mais.
Falar de alimentação é falar de comunicação, de vínculo, de cultura, de crença, de regra e não podia deixar de trazer esses simbolismos para vocês antes de falar sobre as diferenças de recusas, seleção e dificuldades alimentares! 
Vamos detalhar agora?!
A criança que inicia o processo de recusa alimentar apresenta um apetite limitado;  pode repercutir pela presença de uma doença patológica que afeta o comer e também uma  inquietação dos pais sobre a alimentação da criança. 
Quando falamos sobre inquietação dos pais queremos dizer que é normal as crianças terem uma oscilação do apetite durante as fases do desenvolvimento. E, quando o papai e mamãe não tem uma rede de apoio para compreender, é comum que haja muita preocupação sobre o volume e a variedade de alimentos que a criança aceitava, por exemplo. É fundamental a avaliação de desenvolvimento de uma criança que considere os hábitos alimentares, seus exames biológicos, seu marco de desenvolvimento infantil e seu contexto fisiológico. 
O outro motivo de recusa está relacionado ao apetite da criança. 
Segundo o Guia de Dificuldades Alimentares da Sociedade de Pediatria deste ano, há mini humanos que gastam muita energia e crianças mais retraídas e cada uma pode ter comportamentos na recusa alimentar. A criança com bastante energia geralmente “come igual um passarinho” (como algumas famílias dizem) e insistir para a criança comer mais pode agravar a recusa. Nessas crianças enérgicas é fundamental observar e acompanhar a ingestão de nutrientes.  Nas crianças que são mais retraídas o interesse na alimentação é baixo e a interação com os seus cuidadores também. São crianças que necessitam de um cuidador com interação, criação de vínculo e afeto para auxiliar a retomar o apetite.
As crianças que evoluem para seleção alimentar passarão por esses fatores de recusa e haverá mais dificuldades em retomar a relação tranquila com a comida.
As crianças que estão seletivas comem uma variedade menor e não incluem à medida que são expostas frequentemente aos alimentos. Essas crianças, geralmente, crescem e se desenvolvem normalmente e têm ingestão adequada de energia e nutrientes. Muitas vezes apresentam uma aversão sensorial aos alimentos que está relacionado a textura, cheiro, aparências. São crianças com dificuldade para pegar no alimento, manusear tintas, massa de modelar, pisar na areia ou grama, dentre outros objetos com variadas texturas.
As crianças que estão com dificuldades alimentares apresentam qualquer experiência intensamente aversiva relacionada à alimentação e seguida de muito medo e uma grande recusa alimentar. No guia já citado aqui destaco dois padrões principais de fobia (medo) alimentar: o medo da criança se alimentar após um único evento traumático intenso, como a asfixia, alergias alimentares, engasgos; o medo de alimentação em crianças que usaram sonda enteral ou que perderam os marcos de alimentação (a fase oral do bebe), falta de experiência e/ou se sentem ameaçadas quando o alimento é introduzido pela boca. É comum que crianças com dificuldades alimentares não aceitem grupos inteiros de alimentos, ou só aceitem na mesma consistência e forma de preparo, a maioria delas comem comida diferente da família.
O profissional nutricionista infantil auxilia nesse processo de melhorar a relação com a comida da criança e da relação mãe e criança nos momentos de refeição. O acompanhamento nutricional é um trabalho terapêutico com a comida que resgata essa conexão e faz as pazes com os alimentos. Busque sempre um profissional que te acolha!

Referências:
Guia de orientações – Dificuldades alimentares/ Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento Científico de Nutrologia . São Paulo: SBP, 2022.
Müller, P. W. et al. Dificuldades Alimentares na Primeira Infância: Uma Revisão Sistemática.2016.Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-42812017000200012&lng=pt&nrm=iso
Imagem: CanvaFotos